domingo, 15 de julho de 2007

O futuro começou em 1136

Ao tomar conhecimento do tema deste número, apareceu-me Vergílio Ferreira, o escritor de Melo (Melo, 1916 – Lisboa, 1996), que Gouveia perpetuou no bronze no local mais central da cidade, que escolheu para patrono da sua biblioteca municipal e que criou um prémio literário com o seu nome, a atribuir de dois em dois anos, e que já vai na terceira ou quarta edição, releve-se-me a falta de atenção ou de memória. Aqui está um belo exemplo para o futuro da nossa região. Claro, escritores da altura de Vergílio só nascem uma vez, mas outros artistas há, a começar pelos artistas populares, pelos artesãos, pelos que não deixam as terras morrer, e por muitos mais, mulheres incluídas, perdoe-se a chamada de atenção, que, não sendo artistas, às terras se entregaram com elevado amor e determinação, desde os trabalhos agrícolas à pastorícia e outras muitas ocupações. Estes considerandos vieram depois. O que me saltou aos olhos foi uma pergunta que é feita no romance “Mudança”, o seu primeiro livro existencialista: - o que é a verdade? Resposta: todos andam a dizer o que é. (Cito de memória, a trezentos quilómetros do meu exemplar).
Penso que é o caso: - que futuro queremos nós para a nossa região? Resposta: todos andam a apregoar esse futuro, mas não lhes chega um, cada pessoa propõe vários, o que multiplicado por trinta e tal mil, que é o que dizem que somos, nesta região que agora vou circunscrever, concelho de Seia, dá um número mais que redondo, apesar de os números redondos não existirem e para o cômputo chegarem os números naturais, mais maneirinhos e conhecidos desde a primária, que agora é básica, e disso parece esquecer-se. Mas não só os de cá, outros que tais, a falar de cátedra nas televisões, nos jornais de referência, esta é boa, e nos outros, nas revistas de todos os tipos, nos relatórios científicos, nas dissertações de mestrado, nas teses de doutoramento e nos mais que informados pareceres, cada um com o seu, mais lampeiro e verdadeiro que o anterior que não contemplava o que o meu contempla, e que contempla o meu? Ora o que havia de contemplar, o problema em toda a sua verdadeira extensão e particularidade e transparência, destacando as certezas únicas disponíveis, as minhas, independentemente das ideias pelos outros expressas, que um democrata de há trinta e quatro anos e homem prudente toda a vida não pode deixar de destacar e fingir que leva em consideração.
Nesse sentido, sem falsa modéstia, e não querendo impor o que quer que seja, apesar da unicidade referida, sempre me atrevo a dizer de minha justiça, com permissão dos meritíssimos. Como primeiras medidas proponho a criação:
(i)
de um centro de interpretação desta região, concelho de Seia, repito, a construir na Quinta Pedagógica, que pode vir a ser conhecido pelo acrónimo CISE.
(ii)
de um sítio da Câmara Municipal, periodicamente actualizado, com informação testada, para evitar incorrecções referentes às freguesias. A título de exemplo: não pode aparecer o nome de Fernando Mendes Póvoas, em Torroselo, quando se trata de Francisco Mendes Póvoas, o inventor do teclado nacional, HCESAR, e que não foi um zé-ninguém na região: foi tão só um herminista entusiasta, intimamente ligado aos congressos então realizados sobre a Beira-Serra, divulgador e defensor da Serra, enfim um sonhador do seu futuro.
(iii) de um Museu do Brinquedo que perpetue a nossa meninice e a dê a conhecer aos nossos filhos e netos e simultaneamente lhes proporcione brincadeira da boa e alguma aprendizagem.
(iv) de um Museu do Pão, a entregar à iniciativa privada, que, ao permitir lembrar todo o ciclo a que é sujeito, homenageie as mulheres e os homens que, ao longo dos séculos, sem desfalecimentos, mesmo quando pareceu que não se podia mais, nos trouxeram a delícia de uma broa, de uma bola, de um pão de ló ou de uns bolinhos de azeite.
(v) de um festival de cinema, particularmente ligado à ecologia, com fundamentalismos, birras de meninos pequenos, manifs de todo o tamanho, e, também, para compor o ramalhete, algum bom senso e sabedoria e caturrice. Sugiro CINE ECO e um director com currículo, a recrutar fora de portas.
Resumindo e contendo-me: cultura ao poder, em todas as suas formas, vai ser, com certeza, um negócio rentável, ainda que as feiras do livro, por exemplo e nesta fase, possam não ser muito encorajadoras, lá chegaremos.
Passemos ao médio prazo.
Junto-me à maioria: acessibilidades. Não conto os anos que dou por mim a perguntar-me quando será que alguém dará ordens para se pegar a sério nas estradas da Estrela, desde os pisos, rectificações, alargamentos, estacionamentos, até miradouros devidamente protegidos, sinalização adequada e clara, mesmo com nevoeiro, e tudo o mais que uma estrada de montanha exige. Eu sei que falar de turismo não chega. Em 1976, para não ir a 1963, muitas das ruas de Faro, a capital, eram de terra batida, e já o Algarve estava cheio de suecas, ó deslumbramento e ao que conduzes. Para se lá chegar, quantas curvas, além das trezentas e sessenta e cinco do Caldeirão, um pouco menos, a olho nu, indo pelo Espinhaço de Cão ou por Monchique, estradas duras de roer, mas mesmo sem dentes ninguém se negava, os que podiam e gostavam está claro. Isto é: obstáculos nunca foram impedimento, e assim será pelos séculos fora, amém. Há quantos anos há auto-estrada, A 2, para o maravilhoso país do sul? E, mesmo sem ela, fomos ouvindo falar da galinha dos ovos d´ouro. Será este o fado que nos está reservado, aqui, neste lado de Seia, para galgarmos ao planalto central, que também é Seia? O tal de Piter, “Serra da Estrela Dinâmica”, não tem qualquer influência nisto? Ou fica-se só pelos hotéis e mais algumas manifestações, respeitáveis e louváveis e imprescindíveis? Tenhamos fé, afinal a Via do Infante, no Algarve, A 22, também já está a funcionar, de ponta a ponta, ou quase, e quantos anos e discussões e manifestações patuscas, embora certos senhores da política não tivessem apreciado, quem sabe se hoje sim para nos convencerem do seu bom perder?
Resumindo e esclarecendo-me: o estradão ou o caminho de cabras do interior, preciosismo que as ditas apreciariam se soubessem ler, o macadame ou as estradas com mais ou menos buracos são óptimas para um pormenorizado conhecimento, - mas nós queremos, antes de tudo, chegar lá acima, aos 1993 metros, em qualquer altura do ano e com qualquer tempo e com qualquer viatura.
E vamos ao longo prazo.
Ponho-me a fazer contas. Nestes oitocentos e setenta e um anos, conto a partir do foral de 1136, desenvolvemos virtudes que nos conferiram uma matriz cultural bem característica, se a desaforo tal ouvíamos “só por cima do meu cadáver”, era de beirão serrano, certo e sabido. Porém, à entrada do terceiro milénio, e para benefício do futuro da região, penso que algo deve mudar, embora paulatinamente. Ponho à consideração, continuando com as contas, uma redução de 10% por cada ano, e por cada pessoa, durante a próxima década, das seguintes virtudes:
(i) não invocar o nome de qualquer pai da região, ou da pátria, para resolver os problemas que são de todos, e não só dos dirigentes.
(ii) não cultivar com desvelo a inveja e outro renovo da mesma família com as inevitáveis dores associadas.
(iii) não praticar o bota-abaixo por cada afirmação que os responsáveis de qualquer nível, em particular do mais elevado, façam.
(iv) não cultivar a lamúria e outros sustenidos a propósito de tudo e de nada.
(v) não questionar que país é este, que é o nosso, Portugal. (Questionam-se outras coisas, que têm nome).
Resumindo e explicando-me: criticar é uma coisa, que deve ser praticada com toda a energia e fundamentação e todos os dias, dizer umas coisas é outra, por muito bonita que pareça a embalagem.
A conclusão que pretendo estabelecer é: para um futuro melhor devíamos começar por uma reformulação das mentalidades, operação extremamente difícil e demorada e de resultados não garantidos. Por isso, começar agora para ir avaliando e estabelecer conclusões baseadas numa prática efectiva. Por exemplo, há desemprego, muito dele dificilmente explicável. No entanto, e a novidade não é de agora, ao longo da vida teremos de mudar entre seis a oito vezes de emprego. Isso vai implicar adaptação, formação, e também remuneração. Mas aqui muita atenção, e não digo mais nada. Saber isto, não ajuda? Não me respondam que não porque não recebem. Já agora o exemplo complementar: estamos cheios de empreendedores, gosto desta designação, e de empresários, mas muitos dos comportamentos exibidos, com alguma frequência, têm que ver com um conceito de patrão completamente ultrapassado e com um conceito de caçador de subsídios irresponsável e com um conceito de desrespeito pelo ambiente, para não por nada mais na carta. Por que não uma adaptação aos novos tempos do conhecimento, das novas tecnologias, alguma formação e educação mais específicas, claro que o saber ocupa lugar, mas nunca é tarde para aprender. Repito: saber isto não ajuda? Problema vosso, mas aprendam a ganhar dinheiro.
Insisto na revisão de toda a matriz cultural, digo toda, da gastronomia, com várias falhas, ao vinho magnífico da Pellada, das quintas do Saes e da Bica, aos ranchos folclóricos, à Casa da Cultura, à grande Arte, a Vergílio Ferreira. Que tal ler ou reler, nas férias, “Carta ao Futuro” (1958)?
Agradeço à Câmara Municipal de Seia a oportunidade que me deu para criar um futuro por si criado, e que já começou e que promete. Foi uma honra, CM de Seia.

Por: Luís Alves Martins (Professor do ensino secundário, Matemática)

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